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Ecografias em Ovinos

Alípio Trigo

O que são? Para que servem? Como se fazem? Segurança Galeria

 


O que são?

  A ecografia baseia-se na emissão e recepção de ultra-sons. Por definição, os ultra-sons têm uma frequência superior a 20 000 Hertz (Hz); tornando-se, portanto, inaudíveis para o ouvido humano em que o espectro médio de audição situa-se ente os 30 e 15 000 Hz (Baril e Bebion, 1993; Jaudon et al, 1991; Goddard, 1995).

Para ilustrar o princípio da ecografia olhemos para uma experiência que todos nós já realizámos. Todos nós conhecemos o fenómeno do eco numa montanha. Conhecendo a velocidade do som no ar (cerca de 331 metros por segundo (ms-1)), a distância do ponto de reflexão do eco pode ser calculada, facilmente, através da medição do tempo entre o nosso grito e o seu correspondente eco. Se por exemplo, são dez segundos, sabe-se que o som percorreu 3310 m (10 s x 331 m s-1). Dividindo o trajecto total do som por dois, obtêm-se os metros que nos separam do ponto onde foi reflectido o som (1655 m).

A ecografia funciona exactamente da mesma maneira, mas aqui o grito é substituído por uma emissão de ultra-sons, efectuado pela sonda, e com uma duração muito curta.

Ao aplicar-se a sonda sobre a superfície do animal, as ondas sonoras propagam-se através dos tecidos (Chevalier, 1988). À medida que avançam, parte delas são reflectidas em forma de ecos, em função das características dos tecidos atravessados (Chevalier, 1988).

Cada órgão caracteriza-se, de facto, por uma quantidade de gordura, proteínas e água ligeiramente diferente do seu meio envolvente. Ora, se a água é um condutor excepcional de ultra-sons, a gordura por seu lado já não o é. Esta modificação de condutibilidade acústica faz com que os ultra-sons sejam reflectidos de maneira diferente. Isto é, a cada variação, mesmo que mínima, dentro do feixe de ultra-sons que atravessam esta "fronteira", uma pequena parte é reflectida.

Estes ecos são devolvidos à sonda, inter actuando com os cristais (comprimindo-os), produzem um sinal (impulso) eléctrico, que será analisado e transformado num sinal luminoso (imagens ou pontos) (Chevalier, 1988).

Para produzir uma imagem em duas dimensões, é necessário, à partida, dispor de uma referência temporal para a emissão e recepção das ondas ultra-sonoras. Para determinar a profundidade onde ocorre a reflexão a emissão dos ultra-sons é pulsátil, isto é, é dividida em impulsos de ondas sucessivas. O ecógrafo emite impulsos 1/1000 do tempo de funcionamento e recebe-os 999/1000 do restante (Barr, 1990). Cada uma destas emissões-recepções não fornecem mais que uma série de pontos alinhados numa recta. Para se poder construir uma imagem é necessário dispor de um número elevado de pontos alinhados em rectas justapostos. Em outras palavras, é necessário varrer o espaço: esta é a segunda condição. Nos aparelhos actuais isto é feito automaticamente por um sistema electrónico, onde um impulso eléctrico excita um número de cristais fixos. Simultaneamente, as ondas sonoras reflectidas são colocadas em imagem vídeo proporcionalmente à intensidade do sinal. O resto passa-se dentro do monitor, segundo um processo clássico de geração de imagens (Journet, 1989).

Para formar uma imagem completa, são imitidos impulsos de ultra-sons a intervalos regulares (cerca de 400 por segundo), o que faz com que o tempo que separa duas imagens seja muito curto, provocando uma sensação de movimento, chamando-se assim imagem em tempo real.

Os ultra-sons não reflectidos avançam através dos tecidos enviando informações de zonas mais profundas (Costa et al, 1992).

 


Para que servem?

 As primeiras experiências feitas com o uso de ultra-sonografia no diagnóstico de gestação em ovinos remontam a 1977, por DEAS, citado por GRACÍA et al., em 1993. Sendo também utilizada noutras espécies.

A ultra-sonografia não só provou ser um valioso instrumento no diagnóstico de gestação, como também permitiu a melhor compreensão da fisiologia reprodutiva (Lindall, 1966; Lindall, 1969; Lindall, 1976; Meredith, 1976; Davey, 1986; Bourke et al., 1992; Goll et al., 1992; Popouski et al., 1992; Bravo et al., 1993).

Este método é bastante utilizado não só na observação do feto, mas também da placenta (Santos et al., 1996), do dinamismo folícular (Glez et al., 1992; Revindra et al., 1994; Souza et al., 1996), e na sua aspiração (Foot, 1996).

O seu uso na observação do feto permite determinar o número fetal (Chauhan et al., 1995), a viabilidade do feto, estudar o desenvolvimento embrionário (Bravo e Varela, 1992) que ainda é pouco conhecido (Foot, 1996) e é uma ferramenta importante para o diagnóstico de má formações (Lovell et al., 1995).

Esta técnica permite ainda o registo fotográfico da gestação, e pode ser associada a computadores para melhorar a compreensão das imagens geradas (Pierson e Adams, 1995).

Com a ajuda desta técnica e estimação da idade fetal passou de ser mera especulação, através de medidas tiradas no feto (diâmetro biparietal, circunferência abdominal e cefálica e o comprimento fémural) e nos placentomas (Doizé et al., 1997) permitem a datação segura (± uma semana) da idade fetal. A partir destas medidas é possível documentar o crescimento fetal (Farrook et al., 1986).

 


Como se fazem?

  Em relação à técnica do exame é necessário atender a dois aspectos essenciais, posição do animal e trabalho do operador (Botero-Herrera et al., 1993).

O exame deve ser realizado num ambiente de luminosidade obscura, para melhor visualização das imagens do ecógrafo.

Os aparelhos devem ser colocados num lugar plano, perto do operador (Gracía et al., 1993).

O tempo necessário para a realização dos exames depende do operador e da etapa da gestação. No início do diagnóstico, é necessário uma cuidada pesquisa de ambos os cornos uterinos, para detectar a gestação. Este facto aumenta o tempo do exame, mas diminui os falsos diagnósticos. Com o avançar da gestação a observação é imediata o que reduz significativamente o tempo necessário por animal (Schrick et al., 1993).

Devem ser tomadas certas precauções, de modo a não prejudicar os princípios físicos das ecografias, isto é, favorecer o campo acústico e minimizar os obstáculos gasosos.

Para se obter imagens de grande qualidade é crucial conseguir obter a máxima transmissão dos ultra-sons (Kanina, 1974; Goddard, 1995; Goddard e Russel, 1995). Devido à má propagação dos ultra-sons através do ar, é necessário ligar o pequeno espaço entre o transductor e o paciente Como o pêlo acomula o ar é importante rapar, as partes a serem examinadas, antes da aplicação do gel. Este deve reduzir o atrito e não conter substâncias tóxicas para o paciente ou para a sonda, podendo conter agentes antimicrobianos (Goddard e Russel, 1995). O gel deve ser retirado do paciente, através da lavagem, para reduzir a reacção de alergia (Goddard, 1995). O gel celulósico é o mais utilizado, é à base de água e é facilmente removido do animal e das mãos do operador (Goddard e Russel, 1995).

A presença excessiva de gás na parte ventral do aparelho digestivo afecta a qualidade de imagem , daí que será conveniente o animal esteja em jejum 12 horas antes do exame, assim como apresentar a bexiga cheia; principalmente se houver especial interesse em avaliar o abdomen caudal (Bukrell, 1988; Goddard e Russel, 1995).

O exame deve ser realizado num ambiente interior, abrigado da luz solar directa, já que esta incide sobre o écran dificultando a realização do exame; e abrigado da chuva devido ao perigo de usar aparelhos eléctricos em condições de humidade (Aloka Co, 1992;Goddard e Russel, 1995). O equipamento não deverá ser utilizado ao pé de geradores, aparelhos de raios-x, os cabos deverão ser colocados de forma a que ninguém tropece neles, e ter extremo cuidado com a sonda (não molhar a sonda, limpar-lhe o gel depois de a usar com detergentes neutros ou álcool, não enrolá-la aquando do armazenamento) já que ela é muito frágil (Aloka Co, 1992).

As condições de trabalho afectam a realização do exame já que muitos operadores realizam mais de 1000 exames por dia, e a sua performance é indubitavelmente afectada pelas condições em que trabalham (Goddard e Russel, 1995).

O exame pode ser realizado com o animal em pé ou deitado (Goddard e Russel, 1995). O exame da ovelha em pé, provoca menos stress e evita o esforço físico e demoras em colocar a ovelha em decúbito dorsal. Esta posição facilita também a contensão dos animais, e diminui o efeito negativo dos gases presentes no intestino e rúmen na qualidade de imagem (Goddard e Russel, 1995).

O decúbito esternal facilita a visalização do útero, isto deve-se a que a compressão exercida pelo abdómen provoca o deslocamento das visceras (Diaz, 1992).

 


Segurança.

Desde que a ecografia se vulgarizou, a questão da segurança dos exames ganhou um relevo muito grande (Moura, 1990). Ao contrário dos raios-x, as ecografias não libertam radiação ionizante (Woo, 1998).

Citando o American Institude of Ultrasoud in Medicine (AIUM), em 1998,

"não há efeitos biológicos confirmados devido à exposição a instrumentos ultrasonoros. Contudo, há a possibilidade de esses efeitos serem identificados no futuro, os dados correntes indicam que os benefícios que o uso prudente das técnicas ultrasonoros ultrapassam, de longe os riscos, isto se algum estiver presente".

A ecografia só apresenta efeitos nefastos, com intensidades superiores a 4 wattes por centímetro quadrado (Wcm2) e frequências inferiores a 1 MHz. Mas esses valores estão muito distantes dos valores habitualmente utilizados.

Esses efeitos nefastos podem ser de dois tipos principais: elevação da temperatura e distorções mecânicas. Muito se tem escrito e especulado sobre a possibilidade de, através desses mecanismos, a insonorização do feto e dos gónodas maternos poder originar fenómenos químicos (reacções de oxidação e desnaturação das proteínas), físicos (modificações térmicas; os tecidos menos irrigados e tecidos ósseos aquecem mais rapidamente) e biológicas (destruição celular, modificações cromassomáticas, redução de respostas imunitárias, modificação das funções da membrana celular, diminuição do potencial reprodutivo das células, degradação de macro moléculas, formação de radicais livres) (Irwing, 1975; Stark et al., 1984; Hand et al., 1987; Boue et al., 1988; Suslick, 1989; Tarantal et al., 1989ab; Carnes et al., 1991; Grab et al., 1992; Campbell et al., 1993; Ewingman et al., 1993; Iwabe et al., 1993; Newnham et al., 1993; Tarantal et al., 1993; Huang et al., 1994; Jensh et al., 1994; Chitty, 1995; Jensh et al., 1995; Evans et al., 1996).

Teoricamente pode ser impossível afirmar que a ecografia é um método de diagnóstico absolutamente inócuo, contudo a experiência acumulada até hoje não permitiu formular uma acusação minimamente fundamentada.

Segundo a British Medical Ultrasoud Studies e a A.I.U.M., só deverão ser realizados exames que beneficiem o paciente.

 


Galeria.

 

Visualização do útero não gestante
 Nidação
 Nidação de três embriões (a, b, c )
 Embrião com cerca de 20 dias implantado em fase convulsa do útero
 Embrião com cerca de 25 dias
 Um caso de dupla gestação: pode-se observar os dois fetos e o septo que os divide
 Visualização de um feto com cerca de 7 semanas. Pode ver-se as costelas (c), o coração (x), o escápulo (es) e o úmero (u).
 Feto com 8 semanas, pode observar-se o tórax (T), o coração (x), o abdómen (a), e o membro anterior.
 Vista lateral do crânio e das vértebras cervicais
 Crânio (vista dorsal)
 Vértebras cervicais (v), costelas (c), e abdómen (a)
 Feto por detrás dos placentomas
 Os três pontos hiperecogénicos (brancos) são as extremidades dos membros

 


  O uso de ecografias em tempo-real como diagnóstico de gestação em diferentes espécies de interesse zootécnico.

Espécie Diagnóstico + Tipo de Sonda Referência
Gata 14 5 MHz England, 1995
Cadela 10-15 5 MHz Barr, 1990
Égua 9-10 5-7.5 MHz Griffin, 1995
Vaca 17-19 5 MHz Boyd, 1995
Cabra 25-30 5 Mhz Dawson et al., 1994
Porca 23 3.5-5 MHz Meredith e Maddock, 1995

 


Diagnóstico de gestação por ultra-sons em ovinos.

Método Nº dias dignóstico + Estruturas visualizadas e Precisão (%) Referência
Doppler 60 90 Hafez 89
Doppler 51-60 90 Goel e Agrawal 92
Doppler 66-122 100 Ishwar 95
Doppler rectal 35-55 97 Tindall 75
Modo A 60-70 90 Hafez 89
Modo A 52 - Chevalier 88
Modo A 60-70 95 Haibel 90
Modo A 40 95-95 Goel e Agrawal 92
Modo B Abdominal 28-52 87 Lindahl 79
Modo B Abdominal

24-25

32-33

91

94

Botero-Herrera et al 83
Modo B Abdominal 28 - Chevalier 88
Modo B Abdominal 20 - Buckrel 88
Modo B Abdominal 30 100 Hafez 89
Modo B Abdominal

32

37

96

100

Chemineau e Cognié 91
Modo B Abdominal 20 90 Celorrio et al 92
Modo B Abdominal

37

37

100 (não gestação)

88 (gestação)

Baril e Bebion 93
Modo B Abdominal 35 eficiente Kaulfub 93
Modo B Rectal

15-17

18-19

20-25

líquidos

ritmo cardíaco

embrião

Schirck et al 83
Modo B Rectal

17-19

21-23

24-26

52

71

87

García et al 93

 


Estudo comparativo de imagens ecográficas.

 

Vesícula mm

Embrião (dias)

Batimento
Cardíaco (dias)

Movimento (dias)

Placenta (dias)

Freq. Sonda
(MHz)
Égua

14

22-23

25

45-50
 

3
Vaca

28

35

33

45

3,5
Porca

18-20

23

29

40
 

3,5
Cabra

31

31
   

43

3,5
Ovelha

20-27

30-35
   

40

3,5

Fonte: Chevalier (1992)

 


Eficácia da ecografia em modo-B, no diagnóstico de gestação, das três às oito semanas de gestação.

 

De acordo com os resultados obtidos, nas ovelhas, a utilização da ecografia em modo-B, ainda que permita uma razoável taxa de eficácia à terceira semana de gestação, é muito mais eficaz a partir da quarta semana de gestação. Os resultados por nós obtidos mostram-se coincidentes com os referidos pela generalidade da bibliografia consultada. Ainda de acordo com muita da bibliografia por nós consultada, apesar da precocidade deste diagnóstico ser já considerável, com uma sonda rectal os mesmos resultados podem ser conseguidos uma semana antes.

 


Eficácia da ecografia em modo-B na determinação do número de fetos.

 

No nosso estudo, a eficácia observada à sexta semana não foi de 100% por causa de um erro ocorrido no diagnóstico de apenas uma fêmea que, por ser muito nervosa, tornou sempre extremamente difícil a realização dos exames. A partir da sétima semana a eficácia foi de 100%. Assim sendo, a determinação do número de fetos pode ser realizada a partir da quinta semana com uma eficácia já bastante elevada. Quando comparamos os nossos resultados com os de Haibel (1990) e Goodard e Russel (1995), verificamos que eles são os mesmos, ainda que os nossos tenham sido conseguidos com duas semanas de antecedência. Ainda segundo estes autores, na segunda metade de gestação (a partir das 10 semanas), o aumento do tamanho do feto, que não é acompanhado de um aumento proporcional do fluído âmnio-alantóico, dificulta a diferenciação das suas estruturas e a correcta determinação do número de fetos.